Não sei quando que me dei conta de que Rodrigo Amarante era meu Beatle preferido dentre os quatro guapos dos Los Hermanos. Só sei que devorei “Cavalo” – primeiro disco solo lançado em 2013 – depois de ter ouvido exaustivamente as canções de “Little Joy” – banda que formou com Fabrizio Moretti e Binki Shapiro em 2007. Amarante chega agora com “Drama”, um álbum mais solar, mas ainda assim profundo e cheio de camadas, que nos permite perceber um novo elemento a cada audição. O compositor conversou comigo sobre este lançamento por chamada de vídeo, de seu estúdio em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde mora há cerca de uma década.

Entrevistadores, fãs e curiosos buscam decifrar quem é o Amarante destas novas onze faixas. O que ele nos diz? Que sonoridades buscou? O que tem de diferente em relação aos álbuns anteriores? É fascinante descobrir que muitas dessas respostas passam a ter um veredito a partir de tantas perguntas feitas ao músico em campanha de divulgação do novo trabalho. A partir do exercício de pensar sobre a obra, de verbalizar o que antes era interno, surge a possibilidade da criação (ou entendimento) do verdadeiro conceito.

“Parece, às vezes, que tem todo um aparato anterior ao disco, um conceito que eu segui. E nunca é assim (risos). Porque eu acho que o conceito vira a observação daquilo que está sendo feito. No meu caso, pelo menos. Póstumo, né? Eu estou entendendo o porquê das coisas depois – quer dizer, uma parte, claro, na medida em que eu escrevo – tendo que falar sobre isso, respondendo às perguntas e acaba me servindo muito. É quase que um momento de virar a página, no sentido da escrita. Acabei de fazer o disco. Está pronto. Mas aí eu falo, converso sobre ele e me ajuda a virar a página no sentido de entender o que eu fiz, porque eu fiz e pra onde eu vou. É um presente pra mim, muito mais do que pros outros”, disse-me em entrevista ao Set Guaíba. É quase um processo de análise gratuita. “O único problema é que o diagnóstico é público”, lembrou ele em meio a risos.

Tudo começa com a faixa que dá nome ao álbum, que é praticamente uma vinheta, meio trilha sonora de peça de teatro. Ouvimos uma música executada por uma orquestra, ao mesmo tempo em que a plateia reage, destoante, com palmas e risadas. Num primeiro contato, apenas os ouvidos mais afinados percebem um sutil elemento: o barulho de um chuveiro. “O banheiro é mais ou menos um templo do pagão, um lugar onde você está sozinho, nu, aberto e consigo mesmo. Entendo o banho como uma coisa espiritual. Coloquei isso ali como uma espécie de sugestão de que tudo isso pode ser uma memória, com sobreposição de emoções”, explicou.

“Drama” é composto por onze faixas inéditas, mas muitas já puderam ser conferidas em turnês desde 2018, como “Um Milhão” e “The End”. Esta última, por exemplo, foi composta há cerca de doze anos, depois de passar por um processo de maturação. “Às vezes eu escrevo uma música e sinto que tem alguma coisa que não tá legal ainda. E às vezes coloco elas pra dormir, pra fermentar. Volto a elas quando eu sinto que é o momento. Isso porque, às vezes, estou desenvolvendo uma canção e sinto que não estou chegando a lugar nenhum e eu não sei muito bem por quê. Ficar insistindo, debruçado e pensando, acaba esfriando a sensação que me levou a escrever. (…) É tipo pimenta boa. Tem que botar num armário escuro, esperar um tempo para desenvolver os sabores. E outras não. Outras saem mais rápido”, relatou o músico.

Se houve quem se referisse ao tempo entre um disco e outro – foram oito anos – como um hiato, Amarante garante que é tudo questão de perspectiva. “Eu sou devagar porque você está olhando pra quem é mais rápido (risos). Basta olhar pra quem é mais devagar que eu. Enfim… Eu faço piada porque pouco importa. Isso tem relação com o mercado. Eu estava fazendo um monte de outras coisas. Tem coisas que eu tenho feito que não preciso contar para as pessoas. Não preciso justificar”, disse. E disse mais: para escrever, precisa observar. Então leva algum tempo às vezes. “Tá tudo bem comigo. Não precisam se preocupar, não (risos)”.

Basta conferir os três clipes que foram lançados com os singles para ver que está realmente tudo bem com ele. Com exceção de “Tango”, que nos mostra o amor através de um casal dançando, podemos conferir o artista na tela em “I Can’t Wait”, “Maré”, “Drama” e o filme de divulgação do disco, em performances que quase chegam à altura desta obra musical. Amarante já tem certa experiência no cinema, como compositor de “Tuyo”, canção de abertura da série “Narcos”, e da trilha sonora do longa “7 Dias em Entebbe”. Ele também já trabalhou em peças visuais do álbum “Cavalo” e em outras produções em Los Angeles. Agora, em “Drama”, foram quatro vídeos dirigidos, em que pôde viver o cinema mais de perto. “Todos filmados em película mesmo, 16mm, no risco. Na aventura. Um grande barato. Eu adoro. Tô aprendendo muito. É a escola [de cinema] que eu não pude fazer”, disse.

Se Amarante é multi nas funções, assim o é nos idiomas. Em suas composições, já escreveu em inglês, francês e espanhol, além da língua mãe português. “É caótico”, relatou o músico para explicar que cada situação demanda uma linguagem. Em “Mon Nom”, por exemplo, terceira faixa do primeiro disco cantada em francês, ele não se contentou em apenas narrar a história de um estrangeiro mas quis cantar em uma língua que não domina. “Falei: ou os franceses vão odiar e falar ‘você tá louco’ ou vai colar. E colou. A minha carreira é ótima na França. As pessoas adoram essa música. Eu acho incrível. Sorte a minha”, contou.

Tem também as situações em que a dificuldade de compreensão da letra é o objetivo: “Tem uma música em português no disco, ‘Tara’, que eu resolvi escrever em português porque eu queria que alguém não entendesse a letra (risos)”. “Como assim?”, perguntei. Entre risos respondeu: “ué”. Mais risos. E prosseguiu: “Eu queria ficar à vontade pra poder falar sobre isso sem a pessoa ter noção de que.. de que eu estou, entendeu?”. Mas e o tradutor online? “Ah, mas não funciona assim. Pra receita de bolo pega, mas pra poesia escorrega”.

Para os ávidos por descobrir quais os próximos passos de Rodrigo Amarante, ele mesmo ainda não sabe. “Estava gravando ontem à noite. Mas não quero enganar ninguém. Não sei. Pode ser no ano que vem. Pode ser nunca mais (risos). Quem sabe? É risco puro. Pode ser que tudo mude. Não sei. Vai saber…” Só nos resta esperar pelo próximo ato.