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O eterno rapaz latino americano será homenageado por Ana Cañas nesta quinta-feira no YouTube. A ideia do show inédito partiu dos fãs, depois de a artista ter cancelado uma live por falta de patrocínio. Uma vaquinha virtual tenta viabilizar o espetáculo online e também ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade. A escolha por Belchior segue a coerência do trabalho posicionado de Ana Cañas. Além de apreciar suas canções, a artista tem apresso por sua obra, pelo seu modo de vida e por sua filosofia.

“A obra dele é muito atual e contemporânea. As reflexões, as filosofias que são expressas nas músicas e nas letras têm muito a ver com o que a gente tá passando, com esse momento difícil. Não tem a ver só com a pandemia. Tem a ver com a economia, com o governo. São muitas camadas”, disse ela em entrevista ao Set Guaíba.

Respeitando as orientações de isolamento social, a artista segue em casa com seus sete gatos. Sem conseguir trabalhar, já fez diversas lives gratuitas no Instagram e pagou músicos do próprio bolso para um show online, que atraiu mais de 40 mil pessoas. Os meses de pandemia foram passando e o dinheiro acabando. O projeto elaborado para busca de patrocínio não vendeu. Obviamente que o momento é de cautela, mas as bandeiras que levanta podem ter custado alto. Preço que ela faz questão de pagar.

“Prefiro deitar a cabeça no travesseiro e imaginar que eu estou contribuindo para um mundo antirracista, o feminismo interseccional, por um mundo que derrube preconceitos, a LGBTfobia, transfobia… Pra mim são pautas humanitárias. Eu acho que não é uma obrigação, mas pra mim a arte sempre passou por esse lugar da existência, da transcendência. (…) Tem um preço. Não é pequeno. É alto. Ao mesmo tempo eu tenho a felicidade de acreditar que eu tô tentando contribuir para um mundo mais justo e que todas as pessoas possam ter acesso aos direitos garantidos, que estão na Constituição, né?“, confidenciou.

Releituras não são novidade em seu repertório. Fez escola cantando grandes nomes em bares e seguiu incluindo versões em seus discos. Em Todxs (2018), Ana Cañas regravou Eu Amo Você, de autoria de Cassiano e eternizada na voz de Tim Maia. Apesar de considerar uma grande “responsa”, ela acredita no poder de criação da interpretação.

“Se você não cantar com a alma, não tem como chamar a atenção das pessoas. Se aquilo que você está cantando não te emociona, você não consegue emocionar ninguém. Eu fui desenvolvendo uma relação com a questão da intérprete. Por mais que eu tenha discos autorais ao longo da minha carreira, sempre tem versões. Nunca deixei totalmente de lado. Eu acho que é um desafio muito grande. É outra faceta”, considerou a artista.

Sempre presente em seus álbuns também está a conotação feminista de suas letras. Pode ser de formas mais singelas, como em Mulher (2015) quando cantou “Nenhuma em mil, ninguém e todas / Alguém te pariu, linda e louca / Venci / Foi assim / O mundo foi feito pra mim”. Tem também mensagens mais explícitas, como em Lambe (2018): “Não se apavore com uma mulher que goza / Nóis é assim mina maravilhosa / Evolução chegando pra geral / Aceita o poder que o prazer é sempre igual”. Em Independer (2018), ela nos faz pensar sobre relacionamentos abusivos: “Eu prefiro perder / Não preciso de você / Eu prefiro me arrepender / Independer, independer”.

O flerte com os estilos musicais é constante. Depois do sucesso da parceria com Nando Reis na música Pra Você Guardei o Amor, Ana Cañas foi incluída no rol da nova MPB. Mas ela extrapola o duvidoso rótulo e passeia pelo rock, pelo samba, pelo rap, pelo soul, pelo funk… Como ela mesmo disse, o estilo musical até muda, mas a ideia está sempre aí: “No baluarte da liberdade feminina, eu vou morrer abraçada. Com certeza já morri em outras vidas, até queimada em fogueira (risos)”.