
Aos 72 anos, Moraes Moreira seguia muito bem humorado, divertido e, em plena atividade, enriquecendo a música e a poesia brasileiras. Músico, compositor, poeta e cantor, tinha como característica a mistura dos mais variados ritmos. Do rock ao samba, do choro ao frevo, da marcha ao baião. Sua última passagem por Porto Alegre foi em julho de 2019. Perdi o show, mas não a oportunidade de bater um papo com essa verdadeira lenda da cultura popular, que nos deixou nesta segunda-feira.
Em entrevista que foi ao ar no dia 22 de julho de 2019 para o Set Guaíba, ele falou sobre sua trajetória, a vida que teve com os Novos Baianos e sobre a política brasileira. Brincou sobre sua duvidosa semelhança com Alceu Valença e relembrou João Gilberto.
O plano da família de tornar médico Antônio Carlos Moraes Pires acabou sendo frustrado pela inclinação do jovem à arte. Ele queria ser artista, mesmo sabendo da dificuldade extrema da função em meio a uma ditadura. E assim o fez. Aos 19 anos, embalado pela onda do Tropicalismo, conheceu, em Salvador, Tom Zé, Paulinho Boca e Luiz Galvão.
O exílio de pessoas como Caetano Veloso e Gilberto Gil não poderia ser determinante para todo o movimento ter um fim. “Novos Baianos tinha a responsabilidade de não deixar morrer todas as ideias do tropicalismo e todas as ideias de liberdade que haviam sido levantadas por tantos cantores e tantos poetas no Brasil”, disse-me Moraes Moreira.
Eram irmãos de ideias e ideais que se encontraram com o projeto de mudar o mundo. “Foi uma vida muito intensa”, revelou o músico. Ele também relembrou o momento em que João Gilberto se juntou ao grupo. “A gente aprendeu muito samba com ele. Foi um viver muito intenso, que dá muita saudade. Eu e Pepeu [Gomes] ficávamos olhando os acordes que João fazia. E quando João saía, Pepeu dizia: roubei cinco. E eu: roubei quatro. Nessa brincadeira a gente foi vendo os acordes que ele fazia, aprendendo e enriquecendo nosso vocabulário. Foi muito importante ver João tocar assim de pertinho”, lembrou com saudade do amigo falecido dias antes da nossa entrevista.
Moraes Moreira se despede da vida em um momento da história brasileira que considerava ainda mais complicado do que a ditadura. “Tô achando hoje pior, sabia? Existe um incentivo como se cultura não fosse importante. Naquela época tinha uma resposta muito forte. Até as rádios da época tocavam mais música brasileira. A coisa agora tá bem complicada. A pergunta que eu faço é: dá pra viver sem cultura? Não dá, né? A gente, como artista, tem que responder a esse momento e estar falando, fazendo poesia, música e tudo, todas as manifestações para que a cultura não desapareça”, desabafou.
A contribuição de Moraes Moreira para a cultura certamente não vai desaparecer. Foram mais de 60 discos lançados em carreira solo e com os projetos Novos Baianos, Trio Elétrico Dodô e Osmar, além da parceria com o guitarrista Pepeu Gomes. Seguia publicando seus cordéis, tocando suas músicas, compondo outras mais, fazendo shows e escrevendo poesias. Que pena. Que triste. Obrigada por tanto, Moraes Moreira.
