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FOTO: FERNANDO FRAZÃO AG. BRASIL

Sabe aquela ideia de que o aborto, se legalizado, poderia se tornar um método contraceptivo? Ou aquela ideia de que quem aborta são meninas jovens e irresponsáveis? Olha só… Em 2010 eu escrevi um texto sobre o aborto para meu antigo blog. Na época, havia sido recém publicado o resultado da Pesquisa Nacional de Aborto, financiada pela Fundação Nacional de Saúde, que mostrava que uma em cada cinco brasileiras de 40 anos (22%) já fez pelo menos um aborto. Até 2010, cerca de 60% das mais de 2 mil entrevistadas interromperam a gestação entre 18 e 29 anos. Isso derruba a tese de que a prática se restringe a adolescentes solteiras.

Fato: a maior parte das mulheres que aborta são casadas, religiosas, com filhos e de baixa escolaridade. Em metade dos casos pesquisados, foram usados medicamentos abortivos e cerca de 55% das mulheres precisou ser internada por causa de complicações. Para MAIS DA METADE não saiu como o esperado ou prometido.

A prática do aborto no Brasil é realidade. Se você for contra ou a favor, o aborto vai continuar acontecendo e os mal feitos continuarão a matar, principalmente aquelas mulheres com menos recursos que dependem de atendimento em casas de saúde públicas. Se o procedimento seguro fosse garantido, muitas mortes seriam evitadas e dinheiro público também seria economizado.

Os dados comprovam que a proibição do aborto não impede as mulheres de realizá-lo. Você não precisa fazer um aborto se você não concorda, só não pode lutar contra o fato de que as mulheres merecem melhores condições de saúde, higiene, procedimentos corretos, para evitar mortes.

Entendo a triste realidade de mulheres que foram violentadas e se tornam obrigadas a gerar o filho indesejado. Entendo as relações que parecem estáveis e que, na situação de uma gravidez não planejada, o cara some. Entendo a falta de estrutura emocional, física e financeira de mulheres (muitas vezes sem informação) que também engravidaram sem desejar. Entendo aquelas que já têm filhos e que simplesmente não desejam ou não conseguem ter mais um. E também entendo que se trata de uma vida: a dessas mulheres!

O aborto existe. Ele é feito, mesmo sendo proibido. Às vezes ele é disfarçado de clínica de luxo, cobra caro e mantém o sigilo. Às vezes ele é chá de “sei lá o quê”, remédio clandestino. Às vezes ele é clínica lixo que expõe a grávida a um risco que, sim, ela assumiu, mas que é a única alternativa no desespero.

Conheço inúmeras mulheres que jamais optariam pelo procedimento, que amam ser mães, que enfrentaram dificuldades e são felizes. Mas ao sermos proibidas de abortar, deixamos de ser (de novo) donas do nosso próprio corpo. Cada mulher sabe o peso do seu fardo. E os homens, cidadãos de bem, seguem decidindo sobre nossas vidas e nossos corpos, baseando-se em um livro cristão num estado laico.

Não estou fazendo uma propaganda pró aborto. Não é uma indicação: faz-e-tira, faz-e-tira. Não é apologia para o sexo desprotegido. É uma reflexão sobre a liberdade de optar. Sobre saúde pública. E sim, sobre vida.