
O Terno não é só um trio. O Terno é um baita power-trio, que faz, segundo eles próprios, canção-rocknroll-pop-experimental. E dos bons! Timbres e melodias envolventes, letras profundas e ao mesmo tempo diretas, que conversam com uma geração que ainda é carente de representantes musicais de seu tempo. E me parece que eles têm desempenhado esse papel, junto com uma galera que prova que muita coisa boa está sendo feita.
Formada, em São Paulo-SP, a banda é composta por Tim Bernardes (na guitarra e na voz), Guilherme d’Almeida – o Peixe (no baixo) e Biel Basile (nas baquetas). Com o show do álbum mais recente “Melhor do Que Parece” (2016), a banda lotou na semana passada o Theatro São Pedro. O teatro também foi palco do show solo de Tim, com seu primeiro disco “Recomeçar” (2017).
Os criadores dessas duas obras primas premiadas e que pararam nos topos das principais listas, bateram um papo comigo na Rádio Guaíba. Falaram sobre os processos de criação, sobre a evolução da banda impressa nos discos e sobre o próximo álbum, que deve ser lançado “entre a Copa e a eternidade”. E eu não pude pensar em uma forma melhor de inaugurar esse meu espaço, se não com essa entrevista. Esse blog surge justamente da minha vontade de compartilhar entrevistas bacanas, notícias do mundo cultural, eventos massas que vão rolar (ou rolaram), devaneios pessoais…
Assisti ao show dos caras no ano passado no Theatro São Pedro. Saí de lá embasbacada com a qualidade e carisma dos três. Nesse ano não deu pra ir, mas poder bater um papo com eles já foi mais que suficiente. Não precisa me conhecer muito pra saber da minha admiração pela banda. Admiração que só cresceu depois dessa conversa descontraída. Confere aí (em áudio ou transcrição)!

Camila Diesel: “O jeito como vocês se vestem, o tipo de som que fazem e até o formato dos clipes faz com que O Terno seja muitas vezes referida como uma banda vintage, de rock retrô. Particularmente, eu acho que esse tipo de definição não beneficia bandas relevantes como O Terno. O que vocês acham desses rótulos?”
Tim Bernardes: “Ah, os rótulos naturalmente reduzem, né? Mas eles norteiam para algumas pessoas. Eu que acho realmente vintage ou retrô não definem a essência d’O Terno. Porque eu vejo O Terno muito como uma banda criativa de canção e a roupagem tem influências de coisas que a gente gosta muito de anos 60 e 70, mas acho que tem muita influência de coisa de hoje em dia. Acho que a composição em si não tem a ver com tempo nenhum. Ela tem a ver com sentimentos e coisas assim.”
Camila: “Como vocês disseram, a maior influência da banda é os anos 60 e 70, certo? Isso fica muito claro. Então o que vocês fazem pode ser uma espécie de reciclagem desse período?” (risos)
Tim: (risos) “Acho que não…”
Biel Basile: (risos) “Acho que não. Todo mundo tem influência, né? Todo mundo ouviu música, ouve música. Tem uma série de arcabouços de influências que a gente usa na nossa vida, não só quando a gente vai fazer música. São influências do dia a dia. Então acho que essas influências de bandas dos 60 e 70 são uma das coisas que a gente pensa quando está fazendo música, mas não é só isso também, sabe?
Camila: “É uma coisa natural já que influencia vocês…”
Tim: “É. Porque como a gente ouviu isso muito, foi parte da nossa formação musical. E eu acho que a gente ter crescido também nos anos 90, numa época em que o rádio estava muito saturado de uma música mais padronizada – o som do sertanejo era o mesmo timbre tinha no rock… sabe? Era uma coisa bem padronizada mesmo, de indústria. De repente, você poder, através da internet, baixar músicas diferentes, descobrir uma banda de garagem dos anos 60 ou descobrir um negócio que aconteceu nos anos 80 e tal, te mostra que existe uma variedade sonora muito interessante. E eu acho que o que a gente pega de alguma coisa que possa ter nos anos 60 e 70 na música, é muito mais o foco na criatividade e buscar um som próprio, do que exatamente a gente reproduzir um som que existia.”
Camila: “Fazem muito essa pergunta pra vocês?”
Biel: “Têm feito cada vez menos, na verdade…”
Tim: “Acho que o Terno de alguma forma tem falado com a geração, né? A gente falar da nossa própria época, sabe? Inclusive, essa influência antiga é uma marca da nossa época também. Porque ela é deglutida de uma forma específica. É um negócio antropofágico-indie-brasileiro-contemporâneo. (pausa) Esse foi um bom termo!”
(risos)
Camila: “E como foi gravar Melhor do Que Parece? Como foi o processo de gravação e concepção do disco?”
Biel: “Foi bacana pra caramba!” (risos generalizados)
Guilherme d’Almeida: “É o primeiro disco com esse querido (Biel) na bateria. E talvez seja o disco que melhor define a banda, é o mais completo. Acho que, de certa forma, a gente chegou num lugar que a gente queria e eu acho que o público vem acompanhando, independente dessa coisa de ‘continua retrô, se não é retrô’… mesmo essas questões se é uma banda rock ou é uma banda de canção. Eu acho que ‘Melhor do Que Parece’ foi um disco que foi bom pra gente entender onde a gente tava musicalmente.”
Tim: “É um disco muito livre musicalmente.”
Camila: “‘Melhor do Que Parece’ tem um clima diferente do disco anterior. Me parece que é um caminho natural. É natural que a banda vá evoluindo. Por exemplo, entrou o Biel. Claro que sempre que entra outra pessoa muda um pouco a sistemática, as influências e as referências… É algo natural mesmo? Evoluir e a gente perceber isso através dos discos?
Biel: “Eu acho que sim. Acho que não é só no disco. O disco já é um reflexo, entende? Acho que se você conversasse com a gente na época do primeiro disco, provavelmente as nossas respostas seriam outras. Porque a gente enquanto pessoa também vai vivendo, vai tendo outras experiências.”
Tim: “O disco é um retrato do momento também.”
Biel: “Exatamente. Eu acho que tem a ver com isso, sabe? Quando a gente vai fazer um disco a gente quer fazer o disco que a gente acha o mais legal. E o que é o mais legal no momento varia de acordo com o momento que a gente tá na vida. Então é isso. Eu sinto que os discos do Terno caminham também com a vida da gente. O disco que a gente vai fazer nesse ano já é diferente do ‘Melhor do Que Parece’ e talvez já seja mais atualizado com a nossa vida.”
Tim: “E tem uma coisa que a gente gosta muito também que é experimentar e fazer coisas que a gente não fez.”
Guilherme: “E tem esse lance do tempo, a experiência de estúdio e os recursos que a gente foi aprendendo ao longo do tempo. Talvez alguma coisa que tava na cabeça desde o primeiro disco, ainda não tinha um caminho pra sair e gravando o disco a gente vai aprendendo e conseguindo fazer várias coisas.”
Tim: “Mas talvez a gente tenha muitos lados musicais na cabeça e que não dá pra você condensar tudo em um disco. Tem coisas que vão aparecendo a cada disco também, tem coisas que vão se transformando. Acho que tem uma série de coisas.”
Camila: Então, isso faz com que a responsabilidade pra um próximo disco não seja grande, certo? Não há algo do tipo “precisamos nos reinventar”, porque não é essa a intenção e é natural?
Tim: “É. Acaba que, se a gente se fecha um pouco entre a gente e tenta buscar e fazer um som que a gente tá gostando, tem uma tranquilidade que sai dessa pressão, porque a gente tá fazendo uma música que a gente gosta. E tem uma outra coisa que, pelo Terno ter conquistado um público desde o primeiro disco, a gente com 18 anos e tal, no segundo disco, a gente um pouco mais velho… as questões faladas principalmente nas letras – e isso também tem a ver com o som, com a estética, com a foto e com tudo… A gente foi se ligando em outras coisas, tendo outros assuntos e tudo mais. O público cresceu e também acompanhou essas questões, entendeu? Então, não tem aquilo de a gente ter de fazer uma música que nem aquela que deu certo no último disco. O que acho que toca a pessoa é que a gente tá passando pelos nossos vinte anos e contando das questões de cada estágio também. Então faz sentido eu falar do que tô sentindo agora quando eu tô compondo. E isso eu acho que vai tocar a pessoa. Porque o público também tá vivendo coisas do último disco pra agora. E muitas vezes as questões são semelhantes. Tem essa sensação de geração mesmo d’O Terno.”
Camila: A abordagem das músicas d’O Terno é bastante direta, com termos simples, apesar de serem profundas. Por outro lado, o som tem bastante experimentação. É difícil fazer essas duas coisas conversarem ou só flui, como na questão dos discos que vão evoluindo?
Tim: “Acho que nosso termômetro naturalmente busca isso. Quanto tá muito careta, a gente tá já sempre meio com a pulga atrás da orelha de ‘não, mas tá faltando algum elemento diferente’ e quanto talvez fica muito cabeçudo a gente tá ‘não.. falta um elemento simples’… Acho que a gente tem uma busca por esse equilíbrio e que é um equilíbrio próprio nosso.”
Biel: “É. É bem sensorial a coisa. Não tem muito uma bula a ser seguida. É óbvio que uma letra, quando ‘cê junta ela com uma música, ela cria novas emoções que não tão simplesmente na poesia, né, no texto. A música vai talvez ressaltar questões da letra. Então, também isso é uma coisa que a gente pensa. Mas não tem uma bula a ser seguida, assim, de ‘tem que ser maluco’… É mais pra gente chegar num resultado que a gente acha interessante.”
Camila: “Conheci a banda de vocês por acaso, quando eu trabalhava em uma rádio (Univates FM) no interior aqui do RS. Na hora de buscar O Terço, que era uma banda que um ouvinte sempre pedia, apareceu O Terno – 66. Ouvi e achei demais, principalmente a letra. Além da sonoridade, que sempre me atraiu muito, achei genial a letra e passei a tocar muito na rádio em que eu trabalhava. E desde lá eu penso muito nisso. Essa música é uma espécie de desabafo?
Tim: “’66’ é a primeira música do nosso primeiro disco. Uma das primeiras músicas que eu fiz também. E é muito legal que eu vejo que ela ainda funciona muito bem, quase como que se ela inaugurasse uma teoria da banda, que é sobre: uma vez que existe a história da música popular, tanto no Brasil quanto no mundo, ela rolou tantas coisas diferentes e a gente chegou num momento de saturação em que tudo foi feito, o novo não tava em foco mas ao mesmo tempo o velho é velho. Então, eu vejo como um desabafo e ao mesmo tempo já é uma busca também sobre entender que dá pra fazer coisa nova, ter influências e misturar como eu quiser, que na verdade a gente está livre pra fazer a música bem do jeito que a gente quiser e procurar o próprio caminho. Sem medo de ser pop, sem medo de ser experimental. Acho que tudo isso aconteceu na prática. Ela é mais teórica, essa música. Ela fala sobre fazer música.”
Biel “Metamúsica!”
(risos)
Tim: “‘E as coisas que vieram nos outros discos e no próximo que a gente tá fazendo acho que, na prática, têm a ver com essa teoria.”
Camila: E já tem previsão para o próximo disco?
Biel: “Previsão máxima de… 40 graus…”
(risos)
Tim: “Entre o fim da Copa e a eternidade…”
(mais risos)
Guilherme: “Acho que entre essa Copa e a próxima deve sair um disco…”
(mais algumas risadas)
Tim: “As músicas já foram feitas, já estão compostas. E a gente já entrou em estúdio pra começar a gravar. A gente tá no meio do processo, mas a data exata a gente não sabe muito bem. Eu acho que alguma coisa mais próxima… (risadinhas de Biel e Guilherme) do fim do ano e começo do ano que vem. Alguma coisa assim. Não tá distante de ficar pronto, não.”
Camila: Tem uma pergunta que, quando eu assisto ou ouço entrevistas, me incomoda um pouco, mas eu quero perguntar algo parecido pra vocês (risos preocupados). Como é tocar aqui em Porto Alegre? Como as pessoas recebem vocês? Eu me incomodo um pouco com essas perguntas porque capaz que alguém vai dizer ‘bah, não curto a galera da cidade de vocês!’… (risos) mas como é estar no Sul?”
Guilherme: “Primeiro ponto que é muito importante é: Theatro São Pedro. Que lugar maravilhoso!”
Biel: “É incrível! Mas Porto Alegre de modo geral. Nas vezes que a gente veio tocar no Opinião também sempre foi muito legal, sempre foram shows muito legais. Dá pra sentir que a gente é querido aqui, sabe?
Tim: “Lembro que a gente tocou no Opinião, acho que a primeira vez que você (Biel) tocou aqui, e a galera ficou assim ‘O-Ter-No! O-Ter-No! O-Ter-No!’ E agente ficou.. ‘nossa, que louco!’. E é muito legal porque no momento em que a gente começou a fazer banda, o Biel tinha uma banda na outra escola, eu e o Peixe já tocava juntos em uma banda que viria a ser O Terno… era uma época que a gente tava muito ligado em rock’n’roll, nesse retorno a um rock’n’roll verdadeiro, no sentido de uma coisa que você sente mesmo, que não é plástico, independente da coisa do estilo musical. E era uma época em que o Sul tava com o rock gaúcho muito forte também. E quando a gente começou a lançar disco e vir pra cá, eu acho que tinha uma conexão, por a gente ter esse pé em influências muito semelhantes. Só que ao mesmo tempo a gente tinha todo um outro lado mais terno, no sentido de ternura, e de experimentação, uma coisa musical que também era fora do rock totalmente, que foi bem recebido aqui. Então eles se identificaram por uma semelhança, mas receberam muito bem e curtiram, eu acho, justamente a diferença que O Terno trazia também. E o público vem crescendo muito.”

Boa iniciativa.
Parabéns
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